domingo, 14 de junho de 2015

DIA DOS VIVOS


Lar em festa:
– Nasceu alguém?
– Morreu.
– Era tão ruim assim?
– Era muito bom!
– Regozijam-se com sua morte?
– Festejamos sua liberdade.
– Estava preso?
– Libertou-se do corpo.

Este diálogo aparentemente absurdo teria cabimento em antigas culturas orientais.

Sabiamente pranteavam o nascimento e festejavam a morte, partindo de dois princípios:

• Nascer é iniciar uma jornada de dores e atribulações, enfrentando longo degredo neste vale de lágrimas.
• Morrer é desvencilhar-se das amarras e ganhar a amplidão. 

São perfeitamente compatíveis com a Doutrina Espírita, que nos fala da reencarnação como uma experiência difícil, complicada, mas necessária, no estágio de evolução em que nos encontramos. 

É, digamos, uma materialização a longo prazo, uma armadura de carne que vestimos, a limitar nossas percepções. Ligação tão íntima, tão entranhada, que o corpo passa a integrar nossa alma, como um apêndice, submetendo-nos a vicissitudes como a dor, o desajuste, a doença, a senilidade, próprios dos seres biológicos, a se acentuarem à medida que se desgastam suas células.

Por outro lado, o esquecimento das experiências anteriores tende a gerar insegurança. O reencarnante situa-se perdido no presente, a caminhar para o futuro sem o referencial do passado.

E há, ainda, o contato com pessoas que dizem respeito ao pretérito. Estará às voltas com sentimentos gratuitos e contraditórios de simpatia e antipatia, afinidade e rejeição, envolvendo gente de seu relacionamento, particularmente os familiares.

O consolo está em saber que se trata de uma contingência evolutiva, no estágio em que nos encontramos.

A carne é a lixa grossa que desbasta nossas imperfeições mais grosseiras.
O esquecimento do passado é a bênção do recomeço, a fim de que possamos superar paixões e fixações que precipitaram nossos fracassos no pretérito.
A convivência com afetos e desafetos de vidas anteriores é a oportunidade de consolidar afeições e desfazer aversões.

Mas… enfrentar tudo isso em estado de amnésia, sem a mínima noção do porquê dessas experiências!…

Barra pesada!

Já desencarnar é o alijar da armadura, a retomada das percepções, o retorno à amplidão, a celebração da Vida em plenitude, sem as limitações humanas.
Se houvermos conquistado um mínimo de vitórias, na luta contra nossas imperfeições; 

se algo fizemos em favor do bem comum, combatendo o egoísmo; 

se aprendemos a conjugar os verbos amar, perdoar, compreender, na vivência do Evangelho, teremos festiva recepção, marcada pela alegria da missão cumprida.

Estavam certas as antigas culturas orientais.
Quem sabe, um dia, quando essa realidade for melhor assimilada pela Humanidade, haveremos de mudar as comemorações do dois de novembro. 

Não mais o dia dos mortos. 
Mais apropriadamente, o dia dos vivos!

Richard Simonetti
Livro Abaixo a Depressão.

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